quarta-feira, dezembro 12, 2007

BALA E ARTE

Cultura da prepotência e da arrogância
Saindo do mundo real, mas inspirados nele, artistas e escritores bebem na fonte das histórias de violência para construírem suas obras

Jornal O POVO - 19/05/2007 15:43

"Você sabe com quem está falando?". Todos já devem ter ouvido - alguns, até, proferido - esta frase. Ela resume a prepotência e arrogância dos que se consideram acima das leis e donos da Justiça. Ela é tão presente no contexto da sociedade atual, que também foi transportada para a cultura popular. Os crimes políticos, os mandantes e os pistoleiros estão presentes em diversas obras literárias, músicas e cordéis. O antropólogo Roberto DaMatata diz que "o estudo do ´você sabe com quem está falando?´ mostra o conflito entre a hierarquia como valor e as normas modernas, impostas pelo Estado, que dizem que todos devem obedecer a lei". E é justamente neste limite que está o "poder" como essência, algo que os homens almejam e passam por cima de tudo para alcançá-lo. Com este enredo, muitas histórias foram contadas, com personagens diferentes e, muitas vezes, baseadas em fatos reais. "Todo o sertão nordestino
Assim como as capitais
Têm uma marca sangrenta
De assassinatos brutais
Que mesmo o tempo querendo
Não acabará jamais".
Com esta estrofe se inicia o cordel "Mainha, o maior pistoleiro do Nordeste", de Guaipuan Vieira. Os versos prometem contar a história de Idelfonso Maia Cunha, o "Mainha", um dos pistoleiros mais temidos no Estado durante as décadas de 80 e 90, e que hoje está preso.
"Estes crimes foram feitos
Pelo rei da pistolagem
Conhecido por Mainha
Homem de cruel bagagem
Pois descrevo sua história
No mundo da bandidagem", continua o cordel. O texto narra ainda as ligações entre Mainha e Francisco Diógenes, assassinado anos depois em Fortaleza em um acerto de contas, e os diversos crimes que ele é acusado de cometer, como dos ex-prefeitos de Iracema, Expedito Leite, e de Pereiro, João Terceiro Sousa.
"O terrível pistoleiro
Que já quase era lendário
Já deixou de ser o mito
Hoje é presidiário"(...) termina.

O cordel, lançado em 1998, teve grande circulação e chegou ás mãos do próprio Mainha. Ele teria mandado um bilhete para o autor dos versos, pedindo uma resposta. Guaipuan, então, transformou a defesa do pistoleiro em versos.

"Eu nunca fui pistoleiro
A todos posso provar
Se matei foi por vingança
Assunto particular
Pistoleiro que eu saiba
É pago para matar.

Se eu fosse perigoso
Não teria sido preso
Pois cabra desta maneira
Tem olhar bem aceso
Tem ouvidos de tiú
Ninguém o pega indefeso".

"O povo adora ler sobre pistolagem, sobre bandidagem. Esses são os cordéis que mais vendem", conta Guaipuan, que considera Mainha muito parecido com o cangaceiro Lampião. "Eles mexeram muito com o imaginário popular", diz. Os crimes políticos, a disputa de poder, também estão presentes em obras como de Guimarães Rosa e Jorge Amado. "Eles dão um tom lúdico à própria história do Nordeste. Os casos de coronéis, acerto de contas, bandidos como heróis. Tudo faz parte também da história real", afirma a socióloga Peregrina Capelo. (Vicente Gioielli)

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